Vou te contar um segredo

Vou te contar um segredo. 

Não costumo falar muito o que vai aqui dentro. Sonho, desejo, raiva, alegria, estresse, é difícil sair. Fica aqui no peito. Quem dera explodir a cada episódio. Agora, depois de tantos anos, é que coisas boas extravasam pelos olhos. Não que eu não tenha expressão. Mas desde pequena fui ensinada a reprimir "calada ainda tá errada". 

Antes disso, já guardava as minhas vontades. Era cautelosa. Contida. Mascarava as expressões, gestos estabanados por ser espontânea, só pra não incomodar. Mas quem se incomodaria? Não sei. Minha mãe dizia que não deveríamos incomodar ninguém. Só hoje aprendi que isso é medo da rejeição. Algo que lido melhor. Tranquei meus fantasmas ou amarrei pontas soltas?

Quando criança comia a comida mais devagar do que como hoje. Parecia sem vontade. Confesso que não gosto de comer muito, muito menos sozinha. O que mais devoro é açaí, pizza. Eu provo, e tô satisfeita. Como pra saborear. O tempero mais gostoso é a companhia de outros na mesa. A fome vem e passa. Se estiver ansiosa, até esqueço dela. Me assombro com pessoas que comem tanto. Hoje, sei que o excesso disso é a falta daquilo. Falta afeto. Os adultos perguntavam pra minha mãe o porquê de eu comer sem vontade. Mamãe ria "ela sempre come assim, devagar". Uma vez, ela brigou com o companheiro dela, pois ele me deu um tapão nas costas "come direito, menina!". Mal ela sabia que ele já tinha feito isso outra vez. Eu não falei. Eu não falava. Engoli a comida e a raiva. Chorava por dentro. Não havia explosão. Mas dentro de mim gritava. Aos poucos, o ódio por ele foi crescendo até se transformar em indiferença. Eu me curei disso, graças a Deus. 

Quando criança, pensava que as pessoas que me conheciam desde pequena saberiam das minhas vontades, dos meus sonhos. Eu falhei. Ninguém sabe o que mudo quer. E se tivesse falado mais? Expressado mais? Sem medo de ser censurada, julgada, jogada pra baixo. Será se teria ido para o internato em São Paulo? Ninguém me leu. Era só eu que os lia. 

Hoje em dia, me expresso mais. Quando estou muito feliz, dou pulinhos. Se estou empolgada, eu aviso, mesmo que meu rosto não transpareça. Ontem mesmo, a alegria escorreu pelos olhos. 

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