Rosto sem nome
Era noite de natal, no
ano de 2015, quando saímos para distribuir as marmitas aos moradores em
situação de rua. A ideia era levar a ceia até eles, mas acabamos entregando
mais do que comida. Aquecemos os seus corações e também os nossos.
Depois desse primeiro
encontro, realizamos muitas ações pelo projeto social Liga do Bem em Macapá.
Foi por meio dessa missão urbana que comecei a perceber nas ruas do centro da
cidade a existência dessas pessoas invisíveis na sociedade.
Os rostos deixaram de
ser anônimos e ganharam nomes. Comecei a enxergá-los dentro dos ônibus com suas
histórias recontadas no exercício da mendicância, dentro dos bancos perto dos
caixas eletrônicos, nos pontos dos semáforos pedindo o dinheiro do lanche, nas
praças fazendo trabalho de flanelinha ou oferecendo serviços básicos para
desamassar lataria de carro. Até no hospital os encontrei.
Tudo isso era muito
louco, principalmente quando os encontrava e conversávamos, as outras pessoas
me perguntavam se eu os conhecia. Não imagino o que passava pela cabeça desses
curiosos.
Numa segunda-feira, saí
para mais uma missão. Lembro que nesta noite, carregava muita tristeza, mas
precisava ir. Nunca faltava nessas saídas e sempre convidava outros amigos.
Então, saímos como sempre fazíamos e nos deslocamos a um novo ponto que era na
frente do hospital de especialidades.
Ao chegar, conhecemos
novos rostos sem nomes. Enquanto alguns cantavam, tocavam, outros ajudavam na
distribuição dos alimentos. Peguei um copo de sopa, pão e suco e entreguei na
mão de um senhor. Ao receber, ao invés de dizer um muito obrigado, olhou nos
meus olhos e disse: “Deus existe!”.
Aquela frase foi como
uma esbofeteada no rosto. Aquele senhor exclamou como forma de gratidão a quem
reconhecia como Provedor ou falou direto comigo por perceber que estava triste?
Não sei a resposta. Naquele momento, esqueci a tristeza. Também não me lembrei
de perguntar o seu nome. No entanto, suas palavras me marcaram profundamente.
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